Maio Laranja: DF registrou 182 estupros de vulneráveis em 2025
Abusos que envolvem vítimas menores de 14 anos ou pessoas em condição de vulnerabilidade, conforme o artigo 217-A do Código Penal
atualizado
Compartilhar notícia

A campanha Maio Laranja, realizada em maio, tem como objetivo conscientizar a sociedade sobre o combate ao abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, destacando a importância da denúncia e da proteção das vítimas. No primeiro quadrimestre de 2025, o Distrito Federal registrou 182 casos de estupro de vulneráveis, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF), contra 204 ocorrências no mesmo período de 2024.
Em todo o ano de 2024, foram contabilizados 620 casos, enquanto em 2023 o total registrado foi de 727. Esses casos envolvem vítimas menores de 14 anos ou pessoas em condição de vulnerabilidade, conforme o artigo 217-A do Código Penal.
A educadora parental Priscilla Montes destaca que para identificar sinais de abuso é necessário notar as mudanças repentinas no comportamento da criança, como timidez, agressividade, resistência ao toque, evasão do contato visual e dificuldade para falar com estranhos, o que exige atenção redobrada. “Elas muitas vezes não vão contar, por sentimentos de culpa e vergonha nas vítimas, que muitas vezes não têm sua voz reconhecida nem na família, o que gera medo de não serem creditadas ao denunciar”, explica.
Este cenário foi vivido por MZ, 30 anos, moradora de Ceilândia, que sofreu abusos desde a infância. Aos 7 anos, foi molestada pelo primo, que tinha 8 anos na época. “Acredito que ele também foi vítima de abuso e acabou reproduzindo esse comportamento, pois nenhuma criança de 8 anos sabe fazer isso”, declara. Já na adolescência, aos 17 anos, foi estuprada dormindo pelo seu primeiro namorado. “Acordava com ele ejaculando dentro de mim, somente ao ingressar na faculdade e conversar sobre isso com minhas amigas durante a volta para casa no metrô, percebi que havia sido vítima de estupro”, conta.
Ela também enfrentou um aborto espontâneo fruto deste relacionamento. São esses episódios dolorosos que ela mantém até hoje em segredo, mas que se manifestaram de forma negativa fisicamente e psicologicamente. MZ desenvolveu uma supersexualização, acreditando que o mundo esperava dela apenas um corpo. Essa percepção distorcida a levou a buscar relações sexuais agressivas como forma de lidar com a raiva que sente dos homens. Fisicamente, ela sofre de vaginismo, uma condição que provoca dor intensa durante o contato íntimo, resultado do trauma subconsciente: seu corpo reage como se estivesse sob ameaça, mesmo em situações gentis.
Lara Barcellos (nome fictício), hoje com 28 anos, mora em Santa Maria e sofreu abusos desde os 7 até os 11 anos. Os agressores eram seu tio, primo e alguns homens que não faziam parte da família. Ela dizia que conseguia reconhecer quando um deles iria abusá-la apenas pelo olhar. Os abusos aconteciam em diferentes lugares: em casa, no sítio e até na escola. “No começo eram só olhares, depois aram a tocar meu corpo, falar coisas que eu não entendia bem, e chegaram a ar a mão nos meus seios. Meu pai tinha um bar, e como eu era a filha mais velha, tinha que ficar lá cuidando enquanto minha mãe estava sempre ocupada e nem sabia o que estava acontecendo comigo. Eu me sentia sozinha, com medo, e sem saber a quem contar”, relata.
Educação sexual nas escolas
Para prevenir esses abusos, em cinco anos de atuação, o projeto Eu Me Protejo já alcançou cerca de 100 instituições de ensino no Distrito Federal, incluindo creches, escolas de educação infantil e Ensino Fundamental 1, atendendo crianças de 0 a 9 anos. Idealizado pela jornalista Patrícia Almeida e pela psicóloga Neusa Maria, o projeto surgiu em 2019 a partir da experiência pessoal de Patrícia com sua filha, Amanda, que tem síndrome de Down. A cartilha desenvolvida pelo projeto aborda de forma simples e direta os limites do corpo e o consentimento, ensinando às crianças como identificar situações de abuso sem o uso de metáforas ou termos complexos.
A proposta, que tem ganhado força em Brasília e outras regiões do Brasil, já foi implementada em locais como Santo Antônio do Descoberto, onde o uso da cartilha resultou em um aumento significativo de denúncias espontâneas de abuso. Além disso, o projeto foi recentemente incluído no Plano Viver Sem Limite, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, com o objetivo de ampliar o alcance do material e consolidá-lo como política pública voltada à proteção de crianças e adolescentes.
Segundo Patrícia, a educação sexual deve ser encarada como uma oportunidade para que a criança e o adolescente recebam informações claras e positivas sobre o corpo, sexualidade e questões de gênero, contribuindo para que fiquem menos vulneráveis a abusos e saibam identificar situações de risco. “Isso deve ocorrer de forma natural e sincera, rompendo tabus e preconceitos que ainda cercam o tema. Parte íntima é parte íntima, não existe esse negócio de tesourinho”, declara.