Ofensiva do governo Trump a Moraes reacende debate sobre soberania
Ao Metrópoles, especialistas avaliam legalidade e impacto diplomático de ofensivas impostas por Trump a autoridades brasileiras, como Moraes
atualizado
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A nova ofensiva do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra autoridades brasileiras reacendeu o debate sobre os limites entre soberania nacional, retaliação internacional e direitos humanos. O alvo da vez são autoridades brasileiras, como o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que estaria sendo investigado por autoridades norte-americanas por supostas violações à liberdade de expressão de cidadãos e empresas vinculadas aos Estados Unidos.
A equipe jurídica de Trump já indicou a possibilidade de aplicar sanções sob o amparo da Lei Magnitsky, legislação americana que permite punições a estrangeiros envolvidos em graves violações de direitos humanos ou corrupção.
A medida incluiria desde restrições de entrada no país até o bloqueio de bens e interrupção de transações financeiras.
Por fim, a recente movimentação do assunto gerou questionamentos: esse tipo de medida é legal à luz do direito internacional? Seria uma ingerência indevida nos assuntos internos do Brasil? Em entrevista ao Metrópoles, especialistas contextualizaram os fundamentos legais e as implicações diplomáticas.
O que diz o direito internacional
Segundo o advogado especialista em direito migratório Vinícius Bicalho, o direito internacional não proíbe expressamente que um Estado imponha sanções unilaterais a estrangeiros, mesmo que os atos questionados tenham sido cometidos em território alheio.
“Em termos jurídicos, o direito internacional não proíbe expressamente que um Estado imponha sanções unilaterais a indivíduos estrangeiros, mesmo por atos cometidos dentro de seu território. Isso se baseia no princípio da soberania do Estado sancionador sobre sua jurisdição interna”, explica Bicalho.
Especialista destaca que aplicação extraterritorial de sanções é aceita em casos como:
- Proteção à segurança nacional;
- Envolvimento de cidadãos do país sancionador;
- Crimes graves reconhecidos internacionalmente (como genocídio);
- Violações de direitos humanos, como a liberdade de expressão.
O professor de direito da Universidade Católica de Brasília (UCB) Gustavo Menon reforça que ações do governo norte-americano reacendem alerta para uma possível “crise” entre as potências.
“Diante desse cenário, o Itamaraty já sinalizou que responderá com firmeza a qualquer ataque à soberania brasileira, o que evidencia que tais medidas podem desencadear incidentes diplomáticos e reduzir a cooperação entre os países”, declara.
Entenda qual foi o fio da meada entre Moraes e Trump
- A plataforma de Elon Musk, a rede social, X, descumpriu ordens do STF para remover contas e conteúdos considerados antidemocráticos. O ministro do STF Alexandre de Moraes então multou a plataforma e ameaçou suspender a rede no Brasil caso não obedecesse.
- Novas ordens do ministro afetaram outras plataformas americanas, como Rumble e Truth Social, rede social favorita de Donald Trump.
- O ministro do STF determinou o bloqueio de contas de influenciadores bolsonaristas em redes sociais.
- Trump e Eduardo Bolsonaro têm relação política próxima e defendem os mesmos influenciadores bloqueados.
- Moraes, então, é acusado de promover censura por meio de suas ordens judiciais. Segundo parlamentares dos EUA, as ordens do ministro atingem empresas localizadas nos EUA e cidadãos que estão no país.
- No dia 21 de maio, Rubio disse que existe uma “grande possibilidade” de Moraes ser alvo de sanções norte-americanas, com base na Lei Global Magnitsky.
Moraes e a alegação de jurisdição
As suspeitas que pesam contra Moraes envolvem decisões do ministro que teriam determinado, sem cooperação oficial, o bloqueio de contas e perfis em redes sociais de cidadãos americanos. Especialistas explicam que caso exista uma atuação extraterritorial por parte do ministro, que o governo norte-americano entenda que não segue uma linha cooperativa, eles podem interpretar como uma afronta.
O advogado internacionalista Julian Dias Rodrigues também lembra que o conceito de soberania não impede um Estado de proteger seus interesses jurídicos internos, inclusive contra ações estrangeiras que tenham impacto no seu território, ainda que originadas por autoridades de outro país.
“Eles [EUA] não estão tentando prender ou julgar um juiz brasileiro, nem alteram o regime brasileiro com a sanção. Estão dizendo: este indivíduo, pelos atos que praticou e que repercutiram aqui, não é bem-vindo. É uma decisão que se insere na esfera de liberdade político-normativa de qualquer Estado soberano ”, resume Rodrigues.
Implicações e possíveis reações do Brasil
O ponto alto da questão é que apesar de legais, medidas unilaterais como essa costumam causar um grande desgaste nas relações diplomáticas. Especialistas apontam que o Brasil pode optar por:
- Emitir protestos formais via Itamaraty;
- Acionar organismos internacionais como a ONU ou OEA;
- Até aplicar restrições recíprocas, com base na Lei de Reciprocidade Comercial sancionada neste ano.
Segundo os juristas ouvidos, o gesto de Trump não representa violação direta da soberania brasileira, mas coloca em xeque a condução da política externa e do Judiciário nacional diante de normas e tratados internacionais já firmados.
“O melhor caminho será evitar escalada de tensões, optando por negociação e diálogo. Mas as alternativas são: Protestos diplomáticos formais, restrição recíproca de entrada de autoridades norte-americanas e ações perante organismos internacionais”, ressalta Bicalho.