A insatisfação com as oportunidades que temos é o maior dos tormentos
Viver melhor não é desesperar-se diante de uma escalada de possibilidades. É saber compreender o que realmente nos faz bem
atualizado
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A maior ilusão é achar que a vida boa é a que não temos. É aquela metáfora do urso que resolve pescar na correnteza. Diante da possibilidade de alcançar um peixe maior, larga o que acabou de agarrar. E assim deixa ar incontáveis chances de saciar a fome.
A insatisfação com as oportunidades que nos são conferidas é o maior dos tormentos. Especialmente numa realidade tão aparentemente plural como a da contemporaneidade. amos o mundo inteiro na palma da mão e, iludidos, caímos na crença de que conseguiremos o que desejamos.
Nós, junguianos, observamos a realidade psíquica de forma compensatória. Se sobra de um lado, faltará no outro – e, compulsoriamente, os extremos buscarão se compensar entre si. Esta pode ser uma explicação para um mundo tão belicoso e espartano que se desenha no horizonte.
Não sei exatamente quando, nem por que, mas tornamo-nos profundamente mimados. A frustração, o feio e o limite aram a ser ináveis. Ninguém mais a as más emoções, os desconfortos típicos da raça humana. Também não toleramos mais diferenças.
E, diante desse quadro, reagimos muito mal àquilo que se apresenta como o bom. Amores, amizades, empregos, roupas, cenários, diversão. Nada disso parece suficientemente bom, uma vez que perverso parâmetro de comparação não nos dá sossego.
Escolhemos muito, e escolhemos mal: optamos muitas vezes por uma vida esvaziada de emoção, pois não há autenticidade nas nossas eleições. Seguimos o coro que dita o que parece melhor, e esquecemos de conferir no coração o que ele de fato deseja.
Da mesma forma que o urso, damo-nos conta da fome quando o cardume ou. Aí também apelamos à resposta mimada: todos comem, menos eu. Tentamos mobilizar uma piedade igualmente vazia, à toa. Choramos pela falta de algo e não sabemos exatamente o quê.
Não necessariamente o que nos falta é um propósito, como a economia nos quer fazer entender. Falta-nos a coragem da aposta. Afinal, mimados não sabem perder. Quando apostamos, assumimos um risco de saciedade. E, compulsoriamente, descartamos as demais oportunidades.
Conduzimos assim a vida de forma fatalista, como se sempre fosse a última chance possível. Esse ideal de felicidade urgente é desesperador. E, em desespero, cometemos as maiores atrocidades. Uma delas é menosprezar o que temos assegurado.
Todos devem se encarregar do próprio progresso. No entanto, viver melhor não é desesperar-se diante de uma escalada de possibilidades. É saber compreender a nossa medida justa, a roupa que melhor nos veste. A que parece mais bonita não necessariamente será a que nos cairá melhor.